segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Dorian e Narciso II

Cá estou!
Aviso aos navegantes: este post será dedicado à resposta ao anterior, pois prometi tratar do final do livro O Retrato de Dorian Gray, de Wilde. SE NÃO QUISER SABER O FINAL DO LIVRO, NÃO LEIA!

De antemão, queria deixar a todos a par das circunstâncias que permeiam a vida do autor e a criação dessa obra.

Oscar Wilde foi um de três irmãos, filhos de um casal que gostava de ostentação e vaidade. Sua mãe o vestia como menina por não se conformar por seu segundo filho ter nascido menino. Oscar sempre foi aluno prodigioso e prendia a atenção por onde passava por conta da sua aparência exótica. Sua vida profissional foi cheia de altos e baixos, de escândalos e conquistas. Publicou O Retrato de Dorian Gray em 1891, que não foi muito bem aceito pela crítica, e neste mesmo ano afirmou sua prática homossexual, coisa que estava em moda, com o rapaz Alfred Douglas, que posteriormente também fez sucesso como poeta. Wilde teve dois filhos. Foi condenado a dois anos de trabalho forçado por conta de uma acusação que perdeu para o pai do seu amante, sendo detido por "praticar delitos contra pessoas do sexo masculino" (p. 205 da ed. publicada pela Martin Claret em 2007). Ao passar o período de detenção, se tornou um homem cada vez mais sozinho e isolado pela sociedade. Sua última obra foi tida como a melhor, e se tratava de um poema sobre a vida no cárcere (Balada do Cárcere de Reading).

Esse trecho que fala da história da vida de Wilde está no final da edição de 2007, publicada pela editora Martin Claret, cuja capa do livro é a mesma da ilustração do primeiro post sobre o assunto. Bom, algo que tinha claramente percebido logo ao início do livro foi essa tendência homossexual descrita, que aparecia no personagem de Basil, quando ele descreve ao amigo (Herry) a figura de Dorian. Se trata de uma descrição que só alguém apaixonado faria. Cheguei até a comentar este fato com uma colega. A infância do autor pode e muito ter contribuído para que ele tivesse essa queda pelo homossexualismo, além de ter contribuído para outras atitudes que poderia aqui classificar como narcisistas, e que claramente transparecem no livro. Tem razão de não ter sido aclamado pela crítica da época, pois traz uma perversão de caráter muito grande, como vou justificar abaixo.

Dorian Gray começou por se envaidecer por sua própria aparência e acabou por influenciar o suicídio da bela Sibyl Vane. Depois, levou uma vida desvairada de aparência, vaidade e degradação. Passou a ter uma fama terrível por conta das coisas que fazia, embora muitas pessoas não acreditassem nos falatórios por conta da sua aparência jovial e inocente que não transparecia maldade. No entanto, seu retrato pintado por Basil foi gradativamente absorvendo as feições do avanço de sua idade e das atitudes ruins que permeavam o modelo de tal obra. Foi se afundando nas perverções, não era mais aceito nas festas das pessoas dignas e de bom caráter, frequentava lugares inóspitos, se drogava... E seu último passo foi matar o amigo pintor, com a desculpa de que ele foi quem pintou a obra que causou sua degradação. Após isso, passou a viver uma vida de insegurança, arrependimentos, desconforto. Em uma tentativa de fuga da realidade que o consumia, foi a conhecida roda de perdição onde se drogava, sendo encontrado pelo irmão de Sibyl, que tinha sede de vingança pela morte da irmã. Por muito pouco conseguiu fugir, mas não se livrou de James Vane, que em silêncio continuou a persegui-lo. Dorian estava cada vez mais atordoado pela insegurança da morte que o esperava, até que, inospitadamente, um acidente vitimou James, fazendo nosso Narciso se sentir aliviado.

Contudo, Dorian começou a alimentar uma crença de que queria se tornar novamente um homem puro. Haviam-se passado vinte anos de quando conheceu Basil e foi retratado, mas continuava com aspecto de um jovem de vinte anos. Pensou querer voltar a ser bom, mesmo que isso lhe custasse sua beleza, até que percebeu que tais pensamentos eram apenas fruto de sua vaidade e desejo por sensações novas (fazer boas ações). No entanto, decidiu destruir o quadro que era fonte de toda a apreensão e medo que sentia por alguém vir a descobrir seu segredo. Com a mesma faca que cravou em Basil, tentou destruir seu quadro, e eis que, depois de um grito pavoroso e o espanto de seus criados, os mesmos encontram Dorian morto ao chão, com a faca cravada  no peito, desfigurado conforme estava seu retrato, que voltou às feições originais, segundo fora pintado. Assim é o final da narração do autor.

Dorian não sabia que, ao cravar a faca no retrato desfigurado, estaria matando a parte ruim de si, que  era no que tinha se tornado inteiramente nos seus últimos vinte anos: uma parte ruim.

Estas últimas 58 páginas do livro realmente são mais vivas, mais cheias de ação, e não da vã filosofia da vaidade encontrada nas anteriores, mas também só trazem aspectos ruins de uma vida e tudo o que aconselharia que alguém não se tornasse, a não ser que quisesse acabar no suicídio ou triste e sozinho, a exemplo do autor. Se quiserem me tomar por moralista, não vejo como isso pode ser algo ruim. Pelo menos há em minha vida coisas belas e ideais de que possa me orgulhar, e que se realizados, não trarão prejuízos a ninguém nem a mim mesma. Além disso, a certeza de que morrerei como alguém que foi amada por quem sou e não pelo que fiz ou pelo que tenho.

O autor traz um discurso sórdido de que o que importa é viver todas as sensações, sem pudor algum, sem nenhuma medida das consequências, pervertendo totalmente o respeito à vida, à saúde, à dignidade. E que exemplo temos em Dorian? Ele foi um ícone de liberdade, de hedonismo e no que isso resultou? Não que não possamos ter prazer, longe disso, mas este provem das coisas mais simples, dos atos mais suaves e puros, sem que se precise se degenerar para tê-los.

Dá pra ver que Oscar Wilde tinha um narcisismo exaltado, que possivelmente murchou por conta do cárcere.

Que o final do livro foi mais carregado de ânimo, foi, mas pareceu que o autor não queria se demorar na publicação da obra e correu a bolar um desfecho que não foi surpreendente. Se o final estimula mais a imaginação? Sim.

Ainda não recomendo a leitura, mas a minha decepção foi quase total.

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